sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A dissidência do Homo Sapiens

O grande ensaísta Terry Eagleton, da Universidade de Manchester, disse em algum momento que a principal característica dos radicalismos contemporâneos é a ignorância. Os radicais de hoje desconhecem por completo a história dos movimentos sociais do passado, seja do ponto de vista sua inspiração (libertária ou autoritária), seja do ponto de vista de seus métodos (pacifismo ou a violência), ou seja, ainda, do ângulo de sua pertinência ao campo do estado democrático (legal ou ilegal). Isso parece ser verdade. Se nós procurarmos entender o que vem se passando com o recente surto de invasões de unidades universitárias, vamos nos deparar com um universo caótico de práticas, violências e discursos que acabam sempre se negando uns aos outros.Se tal discurso – nem sempre coerente – reveste-se de elementos libertários, como a autonomia universitária e a democratização dos processos decisórios, contraditoriamente, a prática verdadeira é a violência facista: arrombamento de portas e instalações, impedimento da locomoção de pessoas, violação do direito de trabalhar e estudar, profanação do espaço institucional com festinhas regadas a álcool e infladas por outros odores. O conjunto todo emite ainda uma simbologia sombria. Quem viu as fotos da primeira invasão da Reitoria da UNICAMP e deparou com pessoas encarapitadas nos telhados, com máscaras improvisadas com camisetas, não saberia distinguir um ato “estudantil” de uma rebelião de presídios, pois o efeito estético é exatamente o mesmo. E talvez a retórica também o seja, na medida que sua conotação revela uma espécie de marginalidade voluntária, assumida por grupelhos políticos, às vezes mais, às vezes menos organizados, que se recusam ou não conseguem – por pura ignorância ou também por burrice – adentrar ao universo do diálogo democrático, regrado por normas institucionalizadas de convivência, fruto de um longo processo civilizatório. Entretanto, por princípio, é sempre necessário compreender os radicalismos. Muitas vezes eles surgem, por falhas institucionais que não permitem a expressão das demandas geradas na dinâmica da vida social e dos processos políticos, alijando grupos e comunidades das possibilidades de participação cidadã. Outras vezes, são respostas a situações autoritárias que se sobrepõem às regras institucionais. Não parece ser esse o caso das universidades paulistas, que vem aperfeiçoando nas últimas décadas seus arranjos institucionais e suas formas internas de participação política, seja pela via de seus órgãos diretivos ( departamentos, congregações, conselhos,,entre tantos outros), ou seja pela via associativa ( associações de docentes, sindicatos e diretórios estudantis). A institucionalidade de nossas universidades nos dias de hoje permite que todas as questões sejam solucionadas dentro da legalidade, da legitimidade e das boas práticas da sociabilidade política democrática. Mas como então explicar tal surto de radicalismos? De um lado, trata-se de uma profunda ignorância sobre a natureza e os processo de participação política democrática vigente, o que poderia ser corrigido com um bom esforço pedagógico. De outro, trata-se da burrice e oportunismo (dos quais Eagleton não fala) de grupos atavicamente ressentidos, que dentro ou fora das academias, são os perdedores constantes no advento de nossa jovem democracia, Para eles a universidade e seu papel social não importa.O que lhes é caro, além de seus próprios interesses pessoais ou políticos, é a interminável sucessão de confrontos, não com pessoas ou instituições, mas com a democracia. É a dissidência do homo sapiens. - Artigo publicado em 2007 no jornal Correio Popular de Campinas

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